Chamada aos CIOs: sua empresa precisa de executivos que queiram virar a mesa

Os CIOs têm aprendido algumas lições duras ao ver líderes de mercado “beijar a lona”, nocauteados por concorrentes que aparecem “do nada” com um jeito novo de atuar no mesmo segmento.

Vamos pegar como exemplo a Netflix, empresa criada em 1997. Ela nasceu anunciando um serviço rápido, conveniente e barato de aluguel de filmes em DVD pelo correio. A empresa se apoiou em uma cadeia de fornecedores altamente eficientes, centros de distribuição bem localizados e, principalmente, a eficiente entrega do serviço postal norte-americano.

Ao misturar tecnologia já existente e ferramentas de serviço de uma forma diferente, a Netflix criou um novo modelo de negócios no mercado de aluguel de filmes que acabou tirando do jogo as locadoras de filmes baseadas em lojas físicas, como Blockbuster, Hollywood Video e outras tantas.

Hoje, no entanto, a Netflix luta para manter sua supremacia. No lugar do DVD, o streaming de vídeo online é o queridinho dos usuários e muitas empresas como YouTube, Hulu e Cablevision agora invadem o até então território inovador da Netflix. Possivelmente a grande ameaça, em parte porque parece não haver limites para sua ambição, é a Amazon. A gigante do e-commerce, com faturamento de 48 bilhões de dólares, oferece vídeo por streaming ou download para diferentes aparelhos digitais – exatamente o futuro que a Netflix imaginava para si.

A Netflix está ciente dos desafios e tenta turbinar seu negócio de streaming de vídeo e renovar sua oferta para um mercado totalmente digital. Mas em 2011 conseguiu enfurecer seus consumidores fiéis ao tentar separar seu serviço via correio das assinaturas de streaming e mudar planos de assinatura. A empresa admite, em relatórios financeiros, que viu “um volume maior do que o esperado de cancelamentos de clientes” e esses consumidores não voltam tão rápido.

Não sabemos como a história da Netflix vai terminar. Mas como tantos outros modelos de negócios e tantas áreas dependem de TI, os CIOs precisam começar a entender a lei da selva dos negócios: mude para não ser engolido.

O padrão é familiar. Uma empresa com um modelo inovador entra no mercado, tem sucesso e sobe depressa, para logo mais ser desafiada na medida em que as tecnologias e os mercado evoluem e ela não. Concorrentes podem sair dos lugares mais inusitados. Alguns clientes mudam de lado, atraídos por empresas de maior apelo enquanto outros resistem às suas tentativas de mudar seu negócio e reclamam. Todo modelo de negócios eventualmente chega ao fim, mas o truque é reconhecer dentro de casa o que o está impedindo de mudar e agir.

CIOs que conseguem antecipar problemas podem mostrar aos colegas como evita-los, ou como lutar quando eles aparecem, diz o analista do Gartner Group, Dave Aron. “Você precisa sair do pensamento convencional.”

Para derrubar hábitos enraizados em uma empresa ou segmento de mercado, os CIOs precisam reconhecer quando uma arma competitiva pode ser uma fraqueza e desenvolver “visão periférica” para identificar competidores disfarçados. Outra prática crítica: superar doenças corporativas como miopia e inércia, que levam certamente à morte.

Quando a arma torna-se a fraqueza
Todos querem encontrar uma tecnologia tão inovadora ou uma visão de negócios tão inventiva que propulsione o negócio para a Lua. Mas armas competitivas se desgastam.

Durante anos, a Avon e suas famosas “Ladies in pink” (revendedoras) enfrentam forças – especialmente o e-commerce – que tentam destruir o modelo clássico de venda direta porta a porta. Embora o vendedor de enciclopédias tenha morrido, os produtos Avon e suas revendedoras subsistem. Mas talvez não por muito mais tempo.

A empresa de cosméticos gastou 782 milhões de dólares em projetos de reestruturação desde 2005 e mesmo assim seus lucros têm caído ao menor nível dos últimos anos, mesmo com o crescimento das vendas.

“A Avon tem apagado um incêndio atrás do outro nos últimos anos, tentando gerenciar os desafios assim que eles acontecem, em vez de se esconder dos problemas”, diz Erin Lash, analista financeira da Morningstar.

Com as ações da Avon tendo atingido seu menor valor em cinco anos, a Coty, empresa rival, tentou uma manobra de aquisição hostil no ano passado. “É difícil imaginar uma empresa norte-americana em pior situação”, diz a companhia de pesquisas financeiras 24/7 Wall St., que prevê ser 2013 o ano em que a Avon vai cair.

A CEO Sheri McCoy insiste que os problemas financeiros da Avon não significam que estamos testemunhando o fim do modelo de negócios da empresa. Ela e seus companheiros na gestão tentam trazer a Avon para os tempos modernos sem desmantelar a estrutura de vendas diretas, com a presença da revendedora de casa em casa entregando catálogos de produtos ou promovendo encontros para experimentar novidades. A prática não é eficiente, mas é como a empresa, de 127 anos, chegou ao suscesso. E é como McCoy, que entrou na companhia há um ano, planeja conquistar países emergentes como Brasil e Rússia. Nesses países, produtos de beleza não são vendidos largamente em grandes lojas de departamento, como nos EUA, e revendedoras são vistas ainda como fontes confiáveis de informação.

O problema da Avon, diz McCoy, não são as 6 milhões de revendedoras. Ao contrário, é uma combinação de mix errado de produto em algumas regiões; remuneração errada em outras e, em muitas vezes, problemas com a implementação de ERP que até agora leva oito anos. Como ela disse recentemente para os analistas de mercado, “os desafios que a Avon está enfrentando surgiram ao longo do tempo, não de uma hora para outra. Ainda temos um grande trabalho a fazer para endereçar as falhas com que a Avon vem se debatendo por anos”.

Problemas com um módulo de supply-chain no Brasil afetaram os resultados financeiros no País, diz a companhia. A Avon vem tentando implementar seu sistema global de ERP desde 2005 e espera que o projeto ainda estique “por vários anos”, de acordo com seu último relatório anual. Nos próximos três anos, a empresa planeja gastar de 150 milhões a 200 milhões de dólares em TI, incluindo sistemas de compra e faturamento, analytics e aplicações móveis.

Donagh Herlihy, CIO e líder de e-commerce, não quis ser entrevistado. Mas durante uma apresentação no evento CIO’s Leadership, em 2011, ele destacou que reduzir o turnover das representantes é uma das grandes metas do seu trabalho de tecnologia. Melhorar o sistema de compra online será lucrativo para a Avon, diz ele, porque 15% das revendedoras online encomendam dois ou três itens a mais quando veem promoções na tela. Ele também desenha planos para incorporar modelos de social network para ajudar as revendedoras a encontrar e manter clientes.

O toque pessoal das revendedoras modernas da Avon depende da TI – elas precisam de TI para fazer pedidos, rastrear consumidores e organizar as finanças diz Lash. Os problemas com tecnologia, explica, são perigosos porque muitas representantes Avon também vendem outros produtos. “Elas não necessariamente vão oferecer produtos Avon se não tiverem uma experiência boa com a marca”.

É fácil apontar problemas quando se está de fora. Mas quem está dentro tem de consertá-los e muitas vezes é tarefa impossível, diz um ex-executivo de TI da Circuit City, rede de lojas de eletrônicos e produtos digitais de consumo que numa época dominou o mercado de varejo até que pediu falência no final de 2008. A Circuit City tinha 60 anos de idade quando foi à falência e em um determinado ponto de sua existência criou um sistema de ponto de vendas (POS) que foi usado durante 20 anos.

Os líderes sênior da empresa consideravam o sistema criativo e difícil de ser copiado pela concorrência, diz o antigo executivo de TI, que não quis ser identificado. O sistema caseiro de POS de fato garantiu vantagem competitiva nos primeiros dez anos. Então ele tornou-se oneroso para suportar e ficou atrás das funcionalidades que os pacotes de sistemas POS ofereciam, diz o executivo.

Enquanto isso, a concorrente Best Buy fez um updgrade de seu sistema de ponto de vendas e agressivamente assumiu uma postura no estilo “mercearia” para vender eletrônicos, diz Alan Wurtzel, filho do fundador da Circuit City, ex-CEO e membro do conselho diretor da empresa. Ou seja, enquanto a Circuit City apostava em uma equipe de vendas comissionada, a Best Buy assumiu uma estratégia mais barata, deixando que os consumidores comprassem sozinhos, sem precisar de vendedor, diz Wurtzel. Quando a Circuit City decidiu mudar para uma metodologia de vendas de menor custo era muito tarde. Por muito tempo, diz ele, os líderes sênior “teimosamente insistiram no velho modelo. Isso nos derrubou”.

Como diz o antigo executivo de IT, “não evoluímos rápido o suficiente para acompanhar a velocidade e o dinamismo dos negócios”. Ele deixou a empresa um ano antes da queda. “Foi doloroso”, diz. Na falência, a Circuit City, antes uma empresa de 12,4 bilhões de dólares, vendeu os direitos de uso da sua marca e nomes de domínio de internet por meros 6,5 milhões de dólares para a Systemax, vendedor de eletrônicos que gerencia sites de e-commerce.

Agora a Best Buy, como outras grandes lojas, enfrenta a ruptura do efeito “showroom”, no qual as lojas físicas funcionam praticamente como vitrines onde os consumidores experimentam os produtos que depois vão comprar em outra loja diferente, mais barata, online.

Desenvolva visão periférica
Mesmo com toda essa conversa de como as empresas podem usar TI para criar novos modelos de negócio, nada realmente é criado sem que a empresa tenha um espírito empreendedor, diz Paul Stamas, vice-presidente de TI da Mohawk, uma empresa familiar, fabricante de papel, de 81 anos. Isso também é um bom jeito de experimentar crises.

A Mohawk está atravessando a chamada tempestade perfeita: pessoas usando cada vez menos papel por causa da digitalização; ambientalistas cada vez protestando mais sobre a derrubada de árvores para produzir papel e a migração da fabricação de papel para outros países. “Tínhamos que fazer alguma coisa totalmente diferente ou estariámos fora do negócio”diz Stamas.

A empresa pesquisou sobre novas empreitadas de negócios que poderiam estimuar a demanda por seu papel de alto custo. Em 2010, a Mohawk e uma companhia de design chamada Rosebrook, Peters, Funaro lançaram a Pinhole Press, uma pequena empresa online para presentes com fotografia, semelhante à Shutterfly. A Pinhole usa os papéis especiais mais caros da Mohawk para produzir itens como álbuns de fotos de casamento. Durante dois anos a Mohawk ajudou a crescer o negócio e aprendeu como vender online. Então recentemente vendeu a Pinhole por bem mais que o 1 milhão de dólares que gastou para iniciar o projeto.

A Mohawk, que também investiu numa pequena empresa de software e distribuição de papel na Alemanha, planeja incubar mais organizações, diz Stamas. “O CEO olhou para mim e disse: ‘começe a pensar na próxima. Faça disso uma prática.’”

Além da questão da cultura empreendedora, Stamas credita o sucesso da diversificação da Mohawk ao jeito inteligente de experimentar. A chave, diz ele, foi ampliar o foco sobre alguma coisa que você já faz – no caso do papel especial – e juntá-lo com outro negócio associado (como imprimir fotos). “Você não pode fugir do que você é ou do que você faz”, diz ele, “mas você precisa evoluir”.

Um jeito de competir quando sua posição está ameaçada e focar propositalmente em um projeto que diferencie sua empresa. Na OfficeMax, o truque foi trabalhar como um canal de varejo onipresente onde a loja física, a web e o mobile têm seus sistemas de compras integrados. A meta é deixar os consumidores interagirem com a empresa de qualquer jeito que queiram, enquanto os sistemas se encarregam de compartilhar dados pertinentes nos bastidores. “Isso é realmente chave para nosso futuro”, diz Randy Burdick, CIO da OfficeMax. “Queremos ser os melhores na nossa categoria.”

A decisão de se especializar em ser um canal de varejo onipresente veio do CEO e do conselho diretor, diz Burdick. A OfficeMax mantinha um perpétuo terceiro lugar no mercado de material de escritório, atrás da Staples e Office Depot. Enquanto isso, a concorrência de lojas não tradicionais como Target e Amazon ganhava corpo, diz Jim Barr, Chief Digital Officer. “Nós temos uma visão abrangente da nossa concorrência e sabemos que estamos a um click uns dos outros”, diz Barr, “por isso temos de jogar direito”.

Embora a ruptura nos negócios seja tão velha quanto o próprio negócio, um movimento que faz da onda atual especialmente difícil de lidar é a interdependência que ela espalhou entre muitas companhias, diz Jim Spitze, diretor executivo da Fisher CIO Leadership Program na Haas School of Business da Universidade de Berkeley, Califórnia. Algumas dependências, diz ele, precisam ser quebradas para uma empresa avançar.

A Mohawk, por exemplo, costumava entregar seus produtos para os distribuidores e tinha pouca interação com o consumidor final. Os distribuidores não conseguem, ou não querem, contar a você sobre as variações do mercado, diz Stamas. Sem a capacidade de sentir e responder aos consumidores, “você está condenado a falhar”. A empresa decidiu cortar seu modelo de distribuição para que pudesse construir relacionamento mais próximo com os consumidores e descobrir o que eles queriam, explica ele. “Tínhamos de aprender.”

A Netflix criou uma relação complicada com a Amazon, ao mesmo tempo parceira e rival. A principal tecnologia na qual a Netflix aposta – cloud computing – é provida pela Amazon. No final deste ano, a Netflix espera ser a maior cliente de cloud computing da Amazon, perdendo apenas para as próprias operações de varejo da Amazon.

Em seu relatório anual mais recente, a Netflix chama a relação de TI com a Amazon de fator de risco crítico. “Rodamos a maior parte do nosso processamento dentro do AWS [Amazon Web Services]. Por conta disso, e pelo fato de que não conseguimos facilmente mudar nossas operações da AWS para outro provedor de nuvem, qualquer interrupção ou interferência com nosso uso da AWS pode impactar negativamente nossas operações e nossos negócios”. Dito e feito. O serviço de streaming da Netflix foi interrompido no dia 24 de dezembro de 2012 por conta de uma falha no AWS. A Netflix decidiu não liberar seus executivos para entrevistas sobre o assunto.

Mas a empresa adiciona uma nota otimista para os investidores preocupados: “Embora o lado de varejo da Amazon possa competir conosco, não acreditamos que a Amazon possa usar a operação da AWS de forma a ganhar vantagem competitiva contra nosso serviço”.

Mas a empresa de vídeo sabe que os concorrentes podem ser impiedosos, como explica no mesmo relatório anual. Em 2010, a Comcast, que é ao mesmo tempo provedor de serviços de internet e concorrente da área de vídeo da Netflix, aumentou os preços do parceiro de tecnologia da Netflix Level 3 Communications, para acessar a rede da Comcast. “Muito do tráfego requisitado pelos clientes da Comcast vem dos dados da Netflix armazenados na Level 3. Muitos analistas olharam para essa situação como um exemplo de como a Comcast pode ser discriminatória contra o tráfego da Netflix ou como pode tentar aumentar os custos operacionais da Netflix”.

“A natureza entrelaçada dos modelos de negócios agora vai fazer o futuro ficar interessante”, diz Spitze.

Chamada aos CIOs: sua empresa precisa de executivos que queiram virar a mesa – Gestão – CIO.

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